28 de outubro de 2017: um dia para reflexão, e para um começo de ação

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João Augusto dos Anjos Bandeira de Mello – Procurador-Geral MPC/SE

28 de outubro de 1939. Estabelecia o Presidente da República Getúlio Vargas, por meio do Decreto-Lei 1713, o primeiro estatuto dos funcionários públicos, documento que estampava, de forma inédita e minudente, as condições de provimento dos cargos públicos, os deveres e responsabilidades de funcionários públicos da União e dos Territórios, e, no que coubesse, espraiava seus efeitos aos funcionários do Distrito Federal, dos Estados e Municípios (art.1º do referido Decreto).

As normas contidas no referido Decreto, por certo, hoje não mais são vigentes. Tiveram sua importância histórica e pioneira em normatizar direitos, deveres e responsabilidades de servidores públicos; direitos, deveres e responsabilidades que hoje são regrados a partir da Constituição e dos Estatutos dos Servidores Públicos de cada ente federativo (União, Estados e Municípios).

Mas, como já se desconfia a partir da data que inicia este texto, o Decreto-Lei 1713 traz também como colaboração histórica, conforme delineado em seu art.266, o estabelecimento do dia 28 de outubro, como um dia consagrado ao funcionário público. Data que se inseriu no calendário comemorativo e permanente dos servidores, sendo inclusive chancelada no âmbito da União, pelo art.236 da Lei 8112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos da União), e tradicionalmente inserida como feriado no âmbito dos demais entes federativos.

Mas qual seria o simbolismo por trás desta efeméride? O que deveria significar esta data? Como ela deve ser interpretada? Deveria simplesmente representar um dia de descanso para os servidores públicos? Seria um dia de luta para o estabelecimento de conquistas financeiras e profissionais? Ou seria um dia para reflexão acerca da missão dos servidores públicos no atual contexto normativo e social?

Acredito que a resposta não pode estar desvinculada da realidade social que vivemos, onde o descrédito das ações estatais está em alta no seio da população, havendo a inconteste percepção de que o serviço público está em xeque, em face de desvios de conduta de muitos agentes públicos. Neste sentido, se o serviço público, em que pese a boa atuação da imensa maioria dos seus servidores, ainda se apresenta como passível de aperfeiçoamento perante a sociedade, então, tais aperfeiçoamentos devem ser a tônica das preocupações neste dia comemorativo.

Daí que no dia consagrado ao servidor público, a sugestão de reflexão que nos parece mais consentânea com o momento atual é exatamente ponderar e entender o que significa realmente ser um servidor público. Sendo certo que a procura de um ser de qualquer ente (como já nos alertou Martin Heidegger) não é algo simples; pelo contrário, é algo extremamente complexo, exatamente porque a compreensão daquilo que é, depende também daquele que está compreendendo. E este ser que compreende está inserido no mundo, já tendo manejado juízos prévios acerca deste mundo.

Ou seja, para a busca do que é “ser servidor público”, esta busca inevitavelmente estará viciada de antemão por todas as compreensões possíveis do que poderia ser servidor público, inclusive, pelas equivocadas e ensimesmadas percepções, infelizmente alentadas por exemplos de ordem prática, de que o serviço público é uma instância de ineficiência, leniência, desleixo e até mesmo corrupção.

Desta forma, para a busca do significado do real “ser servidor público”, temos que primeiro extirpar da busca da compreensão deste ser, todos os maus exemplos mencionados; pondo-se em relevo retirar da construção deste ser (do que é “ser servidor público”) tudo aquilo que não seja vinculado a serviço em favor de outrem. Tudo porque, a seara do serviço público, o interesse que se busca não é o interesse do servidor, muito menos o do particular. O que se busca é o interesse público, que se traduz em nossa opinião, em concretizar todos aqueles interesses supraindividuais, que representam o cumprimento de mandamentos previstos no projeto constitucional.

Ou seja, a aferição do interesse público se perfaz em verificar em cada caso concreto, se, com o concurso daquela atuação que está sendo sindicada, o projeto da Constituição está sendo cumprido/confirmado/reforçado. Restando assentado que o projeto constitucional, como dito, não combina com prevalência de nenhum tipo de interesse egoístico.

Do mesmo modo, temos que extirpar do conceito do que é “ser servidor público”, qualquer tipo de vinculação estrita a Governo ou ao interesse exclusivo do Estado. Até porque, como é cediço, o interesse público não se confunde com o interesse estatal ou da Fazenda Pública. Neste ponto, o dever do servidor público (e cumprindo o dever ele estará sendo servidor público) é fazer cumprir as leis e o projeto constitucional, mesmo que isto, por exemplo, contrarie uma eventual orientação de Governo que esteja fora dos parâmetros previsto em nossa Lei Magna.

Sendo certo que o plexo de competências dos servidores públicos é estabelecido a partir da Constituição e do ordenamento infraconstitucional. Nesta medida, atos fora do interesse público estarão necessariamente fora da regra de competência dos servidores públicos.

Por fim, e agora não é hora de extirpar, mas sim de agregar, temos que agregar “ao ser do servidor público”, um sentido. Até porque, se estamos seguindo ensinamentos Heideggerianos, o ser se revela exatamente em relação ao sentido dado pelo intérprete, e esta interpretação será tão mais completa, quanto mais abarque (e revele) todas as condições de possibilidade deste ser que ora se desvela.

Neste contexto, se falamos de Direito e de Constituição, nada mais justo do que falar do projeto de transformação social previsto pela nossa Carta Magna (que fez aniversário recentemente em 05/10/1988). Um projeto ainda em andamento, mas que fala em utopias concretas e possíveis de Saúde e Educação como direito de todos e dever do Estado; que fala na construção de uma sociedade livre justa e solidária; e na erradicação da pobreza, das desigualdades, e das discriminações. Que fala em Legalidade, Moralidade e Probidade Administrativa.

E falar em Constituição e em ordenamento jurídico, é falar na ação do Estado Brasileiro, que como sabemos, é uma ficção jurídica, que tem sua vontade externada por agentes – pessoas – que em sentido amplo são todas servidoras e servidores públicos. Assim, juntando os pontos delineados, temos que “ser servidor público”, na visão deste texto, é agir, é lutar, é buscar um sentido, entregando seu conhecimento e sua força de trabalho, entregando sua vontade, que no conjunto é a vontade do Estado Brasileiro, para o efetivo cumprimento de nossas Leis e de nossa Constituição. Buscando incessantemente a tradução em realidade, de cada uma das promessas do legislador constituinte, e concretizando o interesse público mais legítimo, o serviço mais efetivo, aquele que beneficia de modo inequívoco, o verdadeiro titular do Poder: o povo brasileiro.

Por isso, este dia 28 de outubro, deste ano de intensas decepções para com o Estado Brasileiro, deve ser palco de muitas reflexões, e mais do que isso, de ações; para que os verdadeiros servidores públicos, aqueles que sufragam sua força de trabalho em prol do bem comum e da Constituição retomem o seu papel de direito, de protagonistas da efetividade da Carta Magna, e de arquitetos de um presente e futuro melhor para todos os brasileiros. Crise e oportunidade sempre andam juntas, e da certeza do que já vimos e do que não queremos, e da ciência de todas as condições de possibilidade do que podemos e queremos ser, pode resultar a construção de uma Nação melhor para todos.