Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas se posiciona a respeito da decisão do STF sobre a Ficha Limpa.

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O Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas – CNPGC vem a público, a propósito de recentes decisões do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 848826 e 729744, ambos com repercussão geral, externar a sua preocupação com os impactos negativos impingidos por tais precedentes à efetividade da Lei da Ficha Limpa e, via reflexa, das ações de Controle Externo tecnicamente desempenhadas pelos Tribunais de Contas e pelo Ministério Público de Contas.

Com efeito, em tese consagrada pela maioria apertada dos ministros da Suprema Corte, fixou-se o entendimento segundo o qual o juízo reprovativo emitido pelo Tribunal de Contas em processos de contas anuais de Prefeitos, ainda que tenham estes atuado na condição de ordenadores de despesas, não gera a inelegibilidade prevista no artigo 1.º, inciso I, alínea ‘g’ da Lei Complementar nº. 64/1990, introduzido cuja redação atual fora conferida pela Lei da Ficha Limpa, fruto de um projeto de iniciativa popular que mobilizou a nação em prol do expurgo de maus governantes.

Com todo o respeito que merece a Corte Suprema, contudo, entende-se que o texto constitucional, numa interpretação sistemática de suas disposições, comporta a diferenciação.

Sem querer tecer críticas de desdouro aos ínclitos membros da Excelsa Corte, entende-se que o texto constitucional, numa interpretação sistemática de suas disposições, comporta a diferenciação entre contas de governo (destinadas ao exame da gestão política do ente federativo) e contas de gestão (voltadas à análise dos atos de ordenação de despesa praticados pelos administradores públicos), gerando, como consequência, a distinção entre parecer prévio, peça submetida ao Poder Legislativo para subsidiar o julgamento político das contas de governo, e decisão, ato por meio do qual os Tribunais de Contas, sem a interveniência do Parlamento, julgam regulares ou irregulares as contas de gestão dos ordenadores de despesa, podendo ainda adotar medidas para garantir a reparação dos danos causados ao erário e aplicar as sanções legalmente previstas.

Ao reconhecer a competência exclusiva da Câmara dos Vereadores para o julgamento final das contas de gestão e de governo prestadas pelo Chefe do Executivo Municipal, parte do Pretório Excelso reduziu significativamente o alcance da inarredável competência dos Tribunais de Contas disposta no art. 71, inciso II, da Lei Fundamental da República, segundo o qual cabe às Cortes de Contas, com exclusividade, o julgamento técnico das contas de todos os agentes que assumam a condição de ordenadores de despesas públicas (contas de gestão), sem que tenha sido estabelecida, no referido preceito normativo, qualquer exceção atrelada à natureza do cargo ocupado pelo gestor.

Conferir ao Parlamento dita atribuição, a partir de uma interpretação literal e segmentada do art. 71, inciso I, da Constituição Federal, implica em subverter o espírito constitucional, dificultando o exercício do controle externo da gestão pública de forma técnica, desembaraçada e livre de interesses políticos, máxime quando sopesada a reposição de recursos financeiros desviados por ações e omissões de gestores incautos.

O momento não é de retrocesso!

Não se pode ignorar que cerca de 80% dos casos de inelegibilidade decorrentes da aplicação da Lei Complementar nº. 64/1990 são resultantes de decisões de reprovação de contas proferidas por Tribunais de Contas, a revelar, portanto, que os julgamentos técnicos realizados no âmbito destas Cortes, com fundamento no art. 71, inciso II, da Lei Fundamental da República, representam o meio mais eficaz de afastamento de gestores ímprobos dos processos eleitorais. É de fácil percepção, neste sentido, o efeito drástico que o entendimento fixado pela Suprema Corte produzirá sobre a efetividade da Lei de Ficha Limpa.

Imbuído de confiança e investido na esperança, o CNPGC vislumbra a possibilidade de mitigação do descompasso operado em face da arquitetura do Controle Externo estampada na Lei Maior, conclamando todos a uma salutar, equilibrada e profícua discussão.