PGC/RJ defende controle técnico e transparência na concessão de benefícios fiscais

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Rio de Janeiro (RJ), 11/02/19 – Com muita frequência, nas três esferas do Executivo no Brasil, governos promovem a renúncia fiscal, abrindo mão de parte dos impostos, com o argumento final de estimular a economia ou programas sociais, que devem ser colocados em prática pela iniciativa privada ou entidades não governamentais. Entretanto, para o Procurador-Geral de Contas do MP de Contas do Rio de Janeiro, Sergio Paulo de Abreu Martins Teixeira, a concessão de benefícios fiscais indiscriminada e sem o controle efetivo pode trazer grandes prejuízos ao erário.

Para o PGC/RJ, esse tipo de benesse se cercou de mitos de sua eficiência e de benefícios para o Estado que não se questionam sequer se a aplicação tem promovido os objetivos genéricos que se propõem. Segundo Sergio Paulo Teixeira, verdadeiros “mantras” adornam a concessão dos benefícios fiscais: “aumento da oferta de emprego e na atração de novas empresas; do faturamento das empresas o que resulta em aumento da arrecadação do tributo; a extinção dos benefícios fiscais reduz drasticamente a oferta de emprego e provoca a debandada de empresas (em decorrência da guerra fiscal) ”.

Em entrevista ao site do CNPGC, o Procurador-Geral de Contas do MPC/RJ põe seu olhar crítico sobre a necessidade e possibilidades de maior controle da renúncia fiscal. Sérgio Paulo Teixeira defende “o planejamento racional da ação governamental, a transparência dos gastos, bem como viabilizar o controle, através da dedução dos objetivos em unidades de medida. Planejamento, transparência e controle. Exatamente as grandes fragilidades encontradas na questão dos benefícios fiscais”.

O PGC/RJ propõe o que ele chama de medidas simples de organização para assegurar o controle e garantir as condições para avaliação dos resultados finais da aplicação dos benefícios. “A obrigatoriedade de alocação dos gastos governamentais em células programáticas, por si só, já se traduz em salutar mecanismo de controle, pois obriga o gestor a demonstrar a correlação entre o gasto do dinheiro publico, a ação governamental específica, (medida em unidades fiscais de volume de trabalho), e o objetivo concreto”, assegura.

Veja a seguir a entrevista completa:

CNPGC – Quais foram os principais problemas detectados na questão dos benefícios fiscais pelo Ministério Público de Contas do Estado do Rio de Janeiro?

PGC/RJ: Falta de um patamar mínimo de planejamento, transparência e de controle que podem ser – grosso modo – resumidos em quatro grandes problemas.

O primeiro problema a ser enfrentado: os chamados gastos tributários acontecem à margem dos orçamentos públicos (leia-se: sem o amplo debate e, por conseguinte, um rigoroso controle por parte do parlamento).

O segundo problema: há retórica e polêmica demais entre os operadores do Direito. Há intermináveis debates que se perdem em discussões estéreis e que acabam por produzir apenas desinformação. E o que é pior: acabam por dar azo ao nascimento de falácias de toda a estirpe. Por mais bem-intencionadas que sejam, essas bizantinas discussões acabam prestando um desserviço à gestão da coisa pública.

O terceiro problema: o famigerado jogo de empurra entre os diversos órgãos e entes estatais. A Secretaria de Estado de Fazenda, quando indagada acerca de determinada renúncia fiscal, alega que não lhe compete fiscalizar as contrapartidas ou realizar o monitoramento do objetivo buscado com a concessão do benefício fiscal; sendo tal responsabilidade da alçada de outra pasta como, por exemplo, a Secretaria de Estado de Cultura (por tratar-se de benefício ligado à atividade cultural). Ao ser indagado, o titular da pasta respondia que também não era de sua competência monitorar a execução de contrapartidas ou o atingimento do objetivo colimado.

E o quarto problema, o mais grave de todos: uma vastíssima e desmesurada amplitude na delimitação dos objetivos a serem atingidos com as renúncias de receita. A nosso sentir, este último se revelou o principal mecanismo de burla à transparência e ao controle dos benefícios fiscais no Estado do Rio de Janeiro. Ou seja, o principal desafio a ser enfrentado. Esse é – grosso modo – o diagnóstico da situação.

CNPGC – Como enfrentar a tormentosa questão dos benefícios fiscais sem se perder em discussões que em nada contribuem para a gestão responsável dos gastos públicos e sem ser alvo da crítica do setor empresarial, sempre avesso à retirada dos benefícios tributários?

MPC/RJ: Ao oferecermos uma representação dirigida ao TCE/RJ, que foi elaborada e assinada por todos os Procuradores então em exercício no MPC/RJ, tivemos a preocupação de apresentar uma proposta que não se imiscuísse em absolutamente nenhuma discussão acerca de qual específico benefício fiscal deva ser mantido e qual deva ser cancelado, decisão a ser tomada pelo governante e submetida aos representantes do povo (o parlamento). Essa é a grande vantagem da nossa proposta.

Nossa proposta é técnica. Estritamente técnica. E não estamos inventando a pólvora. Trata-se nada mais, nada menos do que a aplicação correta de uma já velha, conhecida e muito utilizada técnica orçamentária. Esta é a nossa proposta: a adoção de uma técnica orçamentária (orçamento-programa) como instrumento de garantia do planejamento, da transparência e do efetivo controle dos benefícios fiscais.

CNPGC – Em que consiste a adoção dessa técnica orçamentária (orçamento-programa)?

MPC/RJ: Todos que militam na seara das finanças públicas sabem, de cor e salteado, que a evolução da ideia de orçamento público já deixou para trás – há muito tempo – a ultrapassada noção do orçamento como mera peça contábil veiculadora de autorização do parlamento. A figura do orçamento público, nos dias de hoje, atende tanto à necessidade de aprovação dos gastos públicos pelo parlamento, quanto a um ditame de planejamento dos gastos públicos.

Pois bem. Falar do ditame do planejamento, no orçamento público brasileiro, é falar da figura do orçamento-programa, uma técnica orçamentária destinada a dar eficiência e transparência à alocação dos recursos públicos.

O programa (que, como o próprio nome indica, é a célula dessa técnica orçamentária) é o conjunto articulado de ações governamentais – na forma de projetos, atividades ou operações especiais – com o intuito de alcançar um objetivo.

Mas, a rigor, essa definição está incompleta. E este é o ponto que gostaríamos de destacar, pois ele é de fundamental importância para o enfrentamento do problema do descontrole na questão dos benefícios fiscais. A correta definição de programa é: o conjunto articulado de ações governamentais que visa alcançar um objetivo concreto. Como leciona JAMES GIACOMINI (Orçamento Público, 17ª edição – Atlas, 2017, p. 100): “o programa é estruturado visando ao alcance de objetivos concretos pretendidos pela administração pública”. Assim, os programas já não podem mais ser traduzidos por títulos padronizados como outrora, mas devem sê-lo por atos próprios das entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

O orçamento-programa tem, portanto, um propósito muito bem definido: conferir transparência à relação existente entre a previsão orçamentária do gasto público e o correspondente programa que, por sua vez, é correlacionado ao respectivo objetivo concreto, ou seja, que exprime algo determinado, claro, definido, que efetivamente existe. Esse é o ponto crucial da questão.

Cada ação governamental é, pois, individuada e enquadrada em uma escala de medida (quantificada em seu custo, volume e tempo de duração) e correlacionada com um objetivo concreto; isto é, um produto final esperado também individuado e enquadrado em uma escala de mensuração (seja em dados absolutos ou, ao menos, em coeficientes, taxas e índices).

O que foi dito até aqui já deixa entrever a conclusão: além de exigir do gestor o planejamento de suas ações governamentais, o orçamento-programa traz consigo um precioso mecanismo de controle. Isso porque exige a atrelagem de um programa a um objetivo concreto; isto é, exige a correspondência da ação governamental com um benefício ou produto final mensurável.

Os programas são, portanto, as células orçamentárias que formam essa estrutura, essa matriz, essa moldura, através da qual se garante o planejamento racional da ação governamental, a transparência dos gastos, bem como viabiliza o controle, através da dedução dos objetivos em unidades de medida. Planejamento, transparência e controle. Exatamente as grandes fragilidades encontradas na questão dos benefícios fiscais.

CNPGC – A proposta de adoção dessa técnica orçamentária (orçamento-programa) visa, então, a adoção de um mecanismo de controle dos benefícios fiscais?

PGC/RJ: Sim. Basta olharmos para a maneira como é estruturado o orçamento dos gastos públicos. A obrigatoriedade de alocação dos gastos governamentais em células programáticas, por si só, já se traduz em um salutar mecanismo de controle, pois obriga o gestor a demonstrar a correlação entre o gasto do dinheiro público, a ação governamental específica (medida em unidades físicas de volume de trabalho) e o objetivo concreto (um benefício ou produto final também mensurado, através de dados absolutos ou, ao menos, em coeficientes, taxas e índices).

A mera exigência do encaixe dos gastos nas devidas balizas orçamentárias (células programáticas) já se encarrega de conferir a indispensável transparência à correlação que obrigatoriamente deve existir entre o gasto público, o programa específico e o objetivo concreto.

Quando o parlamento aprova o orçamento, os representantes do povo aprovam uma determinada e específica alocação dos recursos públicos, com específicos gastos relacionados com ações governamentais mensuradas e específicas, que, por sua vez, estão atreladas a objetivos também mensurados e específicos (concretos). Tanto que, salvo exceções previstas na Constituição, a alteração dessa específica alocação necessita de nova autorização do parlamento.

Em suma: não existe, no trato da coisa pública, ação governamental absolutamente solta, plenamente livre, completamente desprendida e desagarrada de amarras e peias.

Todo e qualquer gasto público (além de obviamente vinculado a um interesse público) tem que estar atrelado a um programa específico e, por conseguinte, a um objetivo concreto.

Garante-se, dessa forma, o planejamento, a transparência e o controle do gasto público. Não só sob o prisma de quanto se gasta. Mas, sobretudo, em qual específica ação se gasta e qual o objetivo concreto pretendido com tal gasto.

Fora dessas balizas orçamentárias, o governo não pode gastar um centavo. Essa é – em síntese – a nossa proposta: aplicar, na questão dos benefícios fiscais, as mesmas balizas orçamentárias que hoje vigoram para os gastos públicos.

CNPGC – É possível aplicar-se a técnica do orçamento-programa aos benefícios fiscais?

PGC/RJ: Sim. Sem nenhuma dúvida. Deixando de lado os intermináveis debates e as estéreis discussões e, claro, colocando de escanteio as perniciosas falácias que tanto poluem o tema, seja qual for a tese adotada, seja qual for o rótulo escolhido (benefício fiscal, incentivo fiscal, benesse fiscal etc.), que se resgate a dignidade do óbvio. Por mais adornada que seja a retórica com a qual se busque polemizar o tema, é incontestável: “renunciar” é verbo que se aproxima muito mais da noção de perda, de gasto do que da noção de ganho.

Não é fruto de mero acaso ou de invulgar coincidência que a doutrina e a jurisprudência aludam à expressão “gasto tributário”. De novo: não importa o rótulo. Chamem de gasto indireto, gasto simétrico, gasto invertido, gasto às avessas. Não importa. Renúncia de receita é uma espécie do gênero gasto. A aceitação dessa verdade insofismável e inconteste é o quanto basta para que essa forma velada de gasto; para que esse dispêndio disfarçado, dissimulado, oculto seja posto no seu devido lugar: na categoria de gasto de dinheiro público.

Pronto. O silogismo automaticamente se completa: se as renúncias fiscais são espécies do gênero gasto e todo e qualquer gasto público tem que estar atrelado a um programa específico e, por conseguinte, a um objetivo concreto, não há consideração de natureza alguma, logicamente sensata ou juridicamente razoável que justifique deixar os chamados gastos tributários de fora das salutares balizas orçamentárias do orçamento-programa.

CNPGC – Então, a solução seria aplicar a mesma ‘metodologia’ que atualmente já é utilizada para os gastos públicos em geral?

MPC-RJ: Exatamente isso. Nossa proposta é aplicação da mesma técnica orçamentária. Formatação dos benefícios fiscais em uma matriz, em uma estrutura, em uma moldura composta por células programáticas.

Exigir o entabulamento dos gastos tributários em uma matriz programática é exigir a demonstração da correlação existente entre uma determinada renúncia de receita e o respectivo programa específico e, por conseguinte, objetivo concreto que é apresentado como justificativa para o referido gasto tributário.

Exigir o entabulamento dos gastos tributários em células programáticas é trazer os objetivos alegados como justificativa para a renúncia de receita para a luz do dia (dar transparência). E mais: é exigir do gestor que apresente objetivos concretos; isto é, que apresente um produto final almejado mensurado (ou seja; apresentado em unidades de medida, seja através de dados absolutos ou, ao menos, em coeficientes, taxas e índices), o que tornará viável controlar se o objetivo foi atendido ou não.

Isso sem contar de uma vantagem adicional: a estruturação em uma estrutura programática exigirá do gestor a indispensável e tão salutar demarcação inequívoca da responsabilidade de cada unidade administrativa, no monitoramento do produto final a ser gerado pela renúncia de receita.

Em síntese: exigir o entabulamento dos gastos tributários na moldura do orçamento-programa é exigir que os objetivos atrelados às renúncias de receita sejam efetivamente transparentes, concretos e mensuráveis. O que significa dizer: que sejam passíveis de verdadeiro e efetivo controle.

CNPGC – A exigência de entabulamento em células programáticas tem por escopo, então, além de combater o déficit de transparência que cerca o tema, viabilizar um controle efetivo dos objetivos que os gestores apresentam como justificativa para a concessão dos benefícios fiscais?  

PGC/RJ: Perfeito. Como foi dito anteriormente, o mais grave problema é a vastidão com que os gestores traçam os “objetivos” a serem alcançados com os benefícios fiscais. Colocamos “objetivos” entre aspas porque, na maioria esmagadora de casos sequer mereceriam o nome de objetivos. Não passam de simulacros de objetivos, tamanha é a amplitude; a vastidão; a vagueza de seus contornos; dos seus limites.

Vastidão desmesurada, vagueza, indeterminação, imprecisão na delimitação de objetivos culminam na previsão de objetivos sem concretude.

Objetivos sem concretude se traduzem em objetivos não passíveis de mensuração. A impossibilidade de mensuração deságua no mais pernicioso de todos os resultados: a inviabilidade do controle. Essa é a grande razão do caos e do descontrole na questão dos benefícios fiscais.

Não sem razão dissemos acima: este é o principal mecanismo de burla na tormentosa questão dos benefícios fiscais. Esta é a moléstia mais grave a ser combatida. E qual é o fármaco mais apropriado para o mal descrito acima (vastidão desmesurada, vagueza, indeterminação, imprecisão na delimitação; objetivos sem concretude)? Resposta: a técnica orçamentária cujo propósito é exatamente exigir a indispensável correlação entre o gasto público (in casu, o gasto tributário) a um objetivo concreto e mensurável.

CNPGC – O que essa imposição de enquadramento em uma matriz orçamentária programática implica, na prática?

PGC/RJ: Isso significa, na prática, que fórmulas genéricas (tais como “proteger o meio ambiente” ou “promover o desenvolvimento de determinada região”) não atendem à formatação exigida pela moldura do orçamento-programa. O gestor será forçado a abandonar os simulacros de objetivos (vastíssimos e desmesuradamente abertos) ou os converta em objetivos concretos; isto é, passíveis de serem mensurados (exemplo: diminuir em 20% o lançamento de determinado efluente sem tratamento, ou gerar 4.000 empregos em uma determinada cidade).

Eis a nossa proposta: diante da realidade das finanças públicas (esmagadora maioria dos benefícios fiscais dados sem objetivos concretos, passíveis de mínima mensuração e, por conseguinte, de controle) que seja aplicada a técnica orçamentária naturalmente vocacionada para a atrelagem do gasto público a um programa específico e a um objetivo concreto (mensurável). Ou seja, que seja exigido, do gestor, o encaixe dos gastos tributários na matriz do orçamento-programa.

CNPGC – E essa proposta alcança todo e qualquer benefício fiscal?

PGC/RJ: Sim. Como dissemos, se trata de uma proposta de adoção de uma técnica orçamentária a atingir, imparcialmente, todo e qualquer benefício fiscal.

Técnica orçamentária que garantirá, para todo e qualquer benefício fiscal o planejamento responsável, a transparência e a estipulação de objetivos concretos e mensuráveis; passíveis de serem controlados pelos órgãos de controle, pelo parlamento e por toda a população.

De lambuja, a aplicação da referida técnica orçamentária servirá de antídoto contra toda a sorte de palpites e de “achismos” que rondam o tema e que são apresentados aos borbotões, sem qualquer parcimônia. E o mais importante: será a vacina apropriada para pôr cobro à verdadeira enxurrada de falácias, tão perniciosas para a gestão responsável das finanças públicas.

O episódio do Rio de Janeiro – aliás – foi bastante pródigo na profusão de desinformação e falácias de toda a estirpe, por parte dos seus gestores. Para justificar a concessão desenfreada de benefícios fiscais, foi repetido à guisa de mantra:

A concessão de benefícios fiscais resulta em um aumento da oferta de emprego e na atração de novas empresas; a concessão de benefícios fiscais aumenta o faturamento das empresas o que resulta em aumento da arrecadação do tributo; a extinção dos benefícios fiscais reduz drasticamente a oferta de emprego e provoca a debandada de empresas (em decorrência da guerra fiscal).

O artifício retórico utilizado salta aos olhos. Trata-se da conhecida falácia da generalização implacável. Há, inclusive, um nome pomposo – em latim – para tal sofisma: dicto simpliciter. Consiste na repetição obstinada e contumaz de uma afirmação geral (exemplo: a concessão de benefício fiscal resulta no aumento de arrecadação do tributo, ou, a concessão de benefício fiscal resulta no aumento do número de empregos), como se fosse uma verdade universal que não admitisse exceções.

Ora, ainda que as afirmações gerais fossem verdadeiras, não interessa à lei se, em regra, a concessão de um benefício fiscal conduz a um aumento de arrecadação do tributo ou ao aumento do nível de emprego. Pelo contrário. A lei exige a comprovação de qual será o impacto deste ou daquele específico benefício fiscal do que resulta renúncia de receita. E tal comprovação pressupõe a obrigatoriedade da previsão de objetivos concretos e mensuráveis.

Obrigar o gestor a inserir o gasto tributário em uma estrutura orçamentária programática acaba com toda a sorte de “achismo”, de palpite e, sobretudo, de falácia. Pois o gestor passa a ter a obrigação de ajustar sua desmesurada e vastíssima amplitude e vagueza na previsão de objetivos às bitolas da técnica orçamentária do orçamento-programa. Ou seja, passa a ter a obrigação de prévia demonstração da correlação entre o gasto tributário e o atingimento de objetivos concretos e mensuráveis. Independente de qual seja o gasto. Fazemos questão de repetir: proposta de cunho eminentemente técnico. Proposta de adoção de técnica orçamentária ampla, geral e imparcial, que visa única e exclusivamente assegurar a transparência e o efetivo controle da gestão das finanças públicas.

CNPGC – A proposta, então, exigiria um enquadramento a ser feito pelo gestor, por ocasião da proposição anual do orçamento?

PGC/RJ: Sim. A rigor, na proposta da lei de diretrizes orçamentárias ao parlamento. Essa estruturação programática já deve estar presente em um dos anexos da proposta da lei de diretrizes orçamentárias encaminhada ao parlamento (demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita previsto no inciso V do §º 2º do artigo 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal).

Este é o primeiro momento do ciclo orçamentário em que deve ser feita tal exigência. E aqui, não podemos deixar de consignar um importante alerta. Aqui, o múnus público dos Ministério Públicos de Contas se faz sentir em toda a sua pujança e dimensão. Isso por causa do inciso II do artigo 5º da Lei n.º 10.028/2000, que expressamente atribui competência aos Tribunais de Contas para julgar a ocorrência de infração administrativa em razão de proposição de lei de diretrizes orçamentária anual que não contenha as metas fiscais na forma da lei.

O que confere aos Ministérios Públicos de Contas de todo o Brasil relevantíssimo papel de destaque na promoção de representações cujo objeto seja exatamente a obrigatoriedade do enquadramento dos gastos tributários na estrutura de células programáticas, tantas vezes referida nesta entrevista. A proposta aqui explicada dá o instrumental necessário para que se exija, do gestor público, esse patamar mínimo de planejamento, transparência e controle. Proposta – repetimos à exaustão – de cunho eminentemente técnico que nada mais faz do que conferir o correto alcance de uma técnica orçamentária que a legislação já preconiza para o gasto do dinheiro público.

Também fazemos questão de repetir: todo e qualquer gasto público (além de obviamente vinculado a um interesse público) tem que estar atrelado a um programa específico e, por conseguinte, a um objetivo concreto. Todo e qualquer gasto público. Inclusive o gasto tributário. Fora dessas balizas, o governo não pode gastar ou renunciar (o que também se traduz em um gasto indireto) um centavo sequer.

CNPGC – O que dizer para o gestor que pretenda enxergar essa exigência como uma “nova” burocracia ou “mais um” empecilho ou estorvo a dificultar a gestão da coisa pública?

PGC/RJ. Indagaremos, respeitosamente, se o referido gestor realmente se considera apto para o exercício da função de gestor da coisa pública. Isso porque não há absolutamente nada de “novo” na referida técnica orçamentária.

O gestor que contra ela se insurgir, estará se insurgindo contra a mesma técnica orçamentária que, ano após ano, deve rigorosamente reverenciar e cumprir ao elaborar a proposta de lei orçamentária.

Repetimos: a estrutura das células programáticas do orçamento-programa se traduz em um inequívoco e salutar mecanismo de controle já adotado e utilizado há muito tempo.

Adotando-se essa já tão conhecida e utilizada técnica orçamentária, será possível impedir-se a concessão de benefícios fiscais atrelados a objetivos sem concretude que inviabilizam a função de controle.

CNPGC – Quer dizer que a solução, a rigor, já existe?

PGC/RJ: Sim. O fármaco apropriado para se corrigir o impressionante déficit de transparência do gasto tributário e o tremendo déficit de monitoramento e controle (em razão do desmesuradamente genérico e vago tracejado dos objetivos apresentados como justificativa da concessão dos benefícios fiscais) já existe: que a desmesurada vastidão na definição de objetivos seja combatida com a obrigatoriedade de alocação dos gastos tributários em uma estrutura, em uma matriz, em uma moldura disposta em bitolas programáticas.

Entabular na bitola do orçamento-programa é exigir que o planejamento da renúncia de receita seja pautado pela devida e indispensável transparência da correlação existente entre o gasto tributário e o programa específico, atrelado a um objetivo concreto e, sobretudo, estampado em unidades que permitem a mensuração e, por conseguinte, o controle. Planejamento, transparência e controle. E mais: aplicar corretamente essa técnica orçamentária, em toda a sua pujança, dimensão e alcance (ou seja, exigindo-se sua adoção também para os gastos tributários) é assegurar, ao parlamento, o pleno exercício da sua função típica de discussão e aprovação dos gastos públicos.

Em outras palavras, é devolver ao foro apropriado; isto é, ao espaço público, à ágora; ou seja, é devolver ao povo o direito de saber e decidir onde, quando e quanto de benesses tributárias quer conceder com o dinheiro público.

Com a vantagem adicional de dificultar severamente aquilo que a doutrina chama de “captura do agente público” (quando os benefícios fiscais são editados em resposta a pleitos e grupos individuais e não como um instrumento planejado e transparente que objetive trazer benefício à toda a coletividade).

Isso sem contar que resolve, de forma definitiva, o famigerado jogo de empurra anteriormente descrito (visto que a inserção na estrutura programática pressupõe a induvidosa e exata definição de qual a unidade gestora responsável pelo produto final concreto que se espera alcançar com a renúncia da receita).

CNPGC – É correto, então, resumir a proposta da seguinte forma: exigir, em um dos anexos de metas que deve acompanhar a proposta de lei de diretrizes orçamentárias, o entabulamento dos chamados “gastos tributários” na estrutura de células-programáticas (metodologia já utilizada para os gastos públicos diretos), de forma que seja possível aferir se o objetivo atrelado ao gasto tributário é concreto e objetivamente mensurável? É isso?

PGC/RJ: Perfeita a síntese. É exatamente isso. Em bom português: exigir do gestor público o enquadramento dos gastos tributários na estrutura programática do orçamento-programa é exigir que o gestor traga para a discussão pública; ou seja, traga para a luz solar, sempre o melhor desinfetante, a questão dos benefícios fiscais.

É aplicar nada mais, nada menos do que o antídoto apropriado (técnica orçamentária que voltada para a atrelagem a um objetivo concreto) para o mal que assola a tormentosa questão dos benefícios fiscais (estipulação de objetivos sem concretude).

É com a adoção dessa técnica orçamentária de controle do gasto do dinheiro público que colocaremos de escanteio os palpites, os “achismos” e sobretudo as tão nocivas falácias.

É com a adoção dessa técnica orçamentária de planejamento, transparência e controle do gasto do dinheiro público que abriremos espaço para o nascimento de uma cultura séria e comprometida com um efetivo controle e monitoramento tanto da evolução da carga tributária quanto dos resultados socioeconômicos que supostamente se buscam alcançar através do gasto tributário.