Pedido de Liminar

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AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DA PARAÍBA

PEDIDO DE LIMINAR

REPRESENTANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS – MPC

ÓRGÃOS: PREFEITURAS MUNICIPAIS DO ESTADO DA PARAÍBA

ASSUNTO: REPRESENTAÇÃO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 753. RECURSOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE REPATRIAÇÃO. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SERVIDORES. NATUREZA ALIMENTAR. PRIORIDADE NA UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS.

O Ministério Público de Contas, por meio dos Procuradores abaixo assinados, no uso das atribuições previstas no art. 129, inc. II, da Constituição Federal1, combinado com o art. 27, inc. I, da Lei 8.6252, de 12 de fevereiro de 1993, e art. 18, I, da Lei Complementar Estadual nº 18/933 vem REPRESENTAR a esta Egrégia Corte de Contas para a realização das providências ao fim delineadas, com base nos argumentos fáticos e jurídicos a seguir descritos.

I – DOS FATOS

A presente representação originou-se da divulgação no Diário Oficial da União, nos dias 19 e 20 de dezembro de 2016, da Medida Provisória nº 753, e sua posterior retificação, a qual alterou o art. 8º da Lei nº 13.254/2016 (Lei de Repatriação de Recursos) e disciplinou o compartilhamento dos recursos arrecadados com a multa prevista no programa de repatriação.

De acordo com o texto inicial da MP, as prefeituras só teriam acesso aos recursos a partir do dia 1º de janeiro de 2017, entretanto, após intensa pressão dos atuais prefeitos, o governo antecipou a liberação dos recursos para o dia 30 de dezembro, portanto, ainda no exercício financeiro de 2016.

Uma vez que os referidos valores serão transferidos através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), sua destinação não está vinculada a nenhuma finalidade específica, fato que tem despertado preocupação dos órgãos de controle para o uso indevidos das referidas verbas, em especial a uma eventual priorização de pagamento de fornecedores em detrimento dos salários dos servidores públicos municipais, o que não se pode admitir.

Nesse contexto, é fato público e notório que vários municípios paraibanos estão em graves dificuldades financeiras, sem conseguir honrar o pagamento do funcionalismo público municipal. Ademais, verifica-se um cenário preocupante nos Regimes Previdenciários Próprios dos Municípios do Estado da Paraíba, com déficit alarmante4.

A situação é ainda mais preocupante em relação àqueles municípios em transição de gestão, o que aumenta o risco de que os municípios paraibanos invertam, de forma irresponsável e lesiva ao interesse público, a ordem de prioridade na utilização dos recursos públicos.

Consoante será demonstrado, a atuação do Tribunal de Contas da Paraíba se faz necessária no sentido de assegurar a priorização da aplicação dos recursos oriundos do programa de repatriação para a quitação das verbas de natureza salarial, as quais merecem especial proteção. Ademais, faz-se necessário que haja a quitação das contribuições previdenciárias devidas, sob pena de se agravar o cenário dos Regimes Próprios deficitários.

II – DO DIREITO

Conforme se verifica, inúmeras prefeituras municipais têm enfrentado graves dificuldades financeiras, as quais têm repercutido, principalmente, no atraso do pagamento dos servidores públicos municipais.

Além da atual crise econômica que assola todo o país, a insolvência dos municípios também se deve, em grande parte, à má gestão dos recursos públicos por parte de seus gestores, o que no caso das prefeituras se consubstancia nas diversas irregularidades identificadas pelo TCE/PB, que chegaram, inclusive, a ensejar o afastamento de alguns agentes públicos pela prática de atos de improbidade administrativa.

Nesse sentido, merece cautela a utilização dos recursos oriundos do programa de repatriação que serão repassados aos municípios no próximo dia 30, os quais deverão ser utilizados pela Administração municipal, prioritariamente, para pagamento dos salários dos servidores públicos referentes ao mês de dezembro, dos eventuais salários em atraso, bem como do 13º salário, uma vez que, em razão da natureza alimentar dos referidos créditos, o seu inadimplemento atenta contra a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, princípios basilares do Estado Democrático de Direito5.

Oportuno ressaltar que o constituinte deu grande relevância ao trabalho, na medida em que o estabeleceu como um direito social e definiu o arcabouço mínimo de direitos a ele relacionados, conforme o art. 7º da Constituição Federal6. Assim, o Administrador não tem a mera faculdade, mas sim o dever de cumprir a lei, de modo que deverá assegurar ao servidor público municipal o adimplemento de seu salário, a fim de suprir as suas necessidades vitais básicas e de sua família.

Ademais, uma vez quitadas as obrigações salariais, cabe ao gestor direcionar os recursos recebidos para a quitação das obrigações previdenciárias devidas pelo Município. Verifica-se uma recorrente negligência dos gestores no cumprimento das obrigações previdenciárias, o que pode ser reforçado em um cenário de transição de gestão, quando o gestor que está prestes a deixar o cargo pode deixar para seu sucessor o passivo previdenciário, ensejando sucessivos parcelamentos e comprometendo as receitas dos exercícios seguintes.

Cumpre registrar que não se trata de uma interferência indevida na discricionariedade dos gestores. Na verdade, trata-se apenas da necesidade de se determinar a observância das prioridades constitucionais. Verbas salariais e previdência social inserem-se no âmbito dos direitos fundamentais7, que possuem proeminência no texto costitucional vigente. Além disso, o que se pleiteia com a presente Representação é a efetivação de despesas obrigatórias, que decorrem de determinação legal e que não estão sujeitas à discricionariedade do gestor quanto à possibilidade de pagamento. Logo, trata-se de deveres legais que concretizam prioridades constitucionais.

Assim, somente após a quitação das referidas verbas salariais, e, após, das obrigações previdenciárias devidas, na hipótese de haver saldo remanescente, é que os recursos deverão ser destinados à liquidação de outras obrigações por parte do atual gestor municipal.

Diante do contexto ora relatado, o qual se repete em diversos municípios da federação, alguns órgãos de controle têm atuado preventivamente por meio de medidas diversas, todas com o mesmo objetivo, promover e assegurar a regular aplicação dos recursos públicos extraordinários recebidos pelos atuais gestores nas últimas semanas de seus mandatos.

Ainda deve ser lembrado que, em razão de dinheiro ser bem móvel e fungível, sua propriedade só é transferida com a tradição (que pode ser efetuada através da compensação bancária). Assim, as operações realizadas por um prefeito municipal em final de mandato que não sejam compensadas até o dia 31/12/2016 devem ser confirmadas pelo novo gestor, já que a autorização do mandatário anterior não é suficiente para transferir a propriedade.

No que diz respeito às disponibilidades de caixa, deve-se atentar para o § 3º do art. 163, da Constituição Federal8, ou seja, os gestores não podem, principalmente em fim de mandato, realizar saques para manter o dinheiro na tesouraria.

Convém mencionar que o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, mediante requerimento do Ministério Públicos de Contas daquele Estado, ao se deparar com os mesmos fatos e irregularidades relatadas na presente Representação, expediu Ofício Circular para todos os prefeitos do Estado de Pernambuco com alerta de responsabilização, com base no art. 59, § 1º da LRF, pelo uso indevido dos recursos.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (Processo nº 0000334­33.2016.8.17.2230), em recente decisão, também se manifestou sobre a matéria ao deferir a liminar requerida na Ação Civil Pública proposta pela Promotoria de Justiça de Barreiros, em situação idêntica à ora discutida:

(…) 2. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO ingressou com a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de liminar em face do MUNICÍPIO DOS BARREIROS, representado por seu Prefeito, CARLOS ARTUR SOARES DE AVELLAR JÚNIOR sob a principal alegação de que a municipalidade não vem pagando os SALÁRIOS dos servidores, além de atrasar o REPASSE DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS e, inclusive, os descontos de empréstimos consignados tomados pelos servidores; 3. Logo após a propositura do pedido, tomei a iniciativa de chamar o Sr. PREFEITO, o VICE e o SECRETÁRIO DE FINANÇAS para saber a situação das contas municipais e, de fato, houve a quitação do mês de novembro, pois, quando da distribuição da presente ação, o atraso era maior. Agora, após ouvir as reclamações dos servidores e, mais uma vez, instar os responsáveis ao cumprimento de suas obrigações, fui informado que houve atraso no repasse oriundos do Governo Federal e que a Prefeitura não tem condições de honrar com o restante do pagamento do salário do mês de dezembro e o 13º salário, vez que a previsão é de que os recursos cheguem apenas no dia 28 deste mês. Por outro lado tenho conhecimento de que no dia 30/12/16 será feito o repasse de uma verba extra pela União, proveniente da verba de repatriação; 4. O MPE pede que seja deferida liminar de antecipação da tutela, com fundamento no art. 300, do CPC, no sentido que se proceda ao bloqueio de verbas com a finalidade de quitar o salário e o 13º dos servidores efetivos e contratados; 5. A tutela provisória de urgência deve ser deferida quando há efetiva probabilidade de que o direito da parte venha a se confirmar ao final do processo e houver perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. No caso sub examine tenho que estão presentes tais requisitos, pois é inegável o direito ao salário e, inclusive sua preferência sobre todas as demais obrigações. Por outro lado, é indiscutível que acaso se demore mais a providência judicial ora requerida, haverá perigo de dano irreparável aos servidores ou, ainda, que o provimento tardio seja inútil ao processo. Desta forma, DEFIRO a LIMINAR e determino que se proceda ao bloqueio da totalidade da verba de repatriação destinada ao Município de Barreiros, bem assim como de todo e qualquer outro repasse que ingressar nas contas municipais no dia 30/12/16. As eventuais verbas bloqueadas servirão, precipuamente, para com a finalidade específica de quitar todos os salários e o 13º salário dos servidores vencidos até este mês de dezembro de 2016, podendo, o eventual saldo remanescente ser utilizado pela nova administração para pagamento de outras obrigações;(…)

Diante do exposto, é imprescindível que essa Corte de Contas atue cautelarmente no sentido de determinar a todos os prefeitos dos municípios a priorização na utilização dos recursos de repatriação para pagamento dos salários dos servidores municipais, por ser a medida que melhor resguarda o interesse público e garante a consecução do direito social ao salário. Priorizada essa finalidade, deve-se determinar o direcionamento dos recursos para a quitação de obrigações previdenciárias devidas, em observância das prioridades constitucionais.

III – DA MEDIDA LIMINAR

No caso em epígrafe, é manifesta a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar, quais sejam, o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”.

A fumaça do bom direito pode ser demonstrada através das recorrentes notícias veiculadas nos portais eletrônicos9, que atestam A RECORRÊNCIA DO ATRASO NO PAGAMENTO DOS SERVIDORES EM DIVERSOS MUNICÍPIOS PARAIBANOS. Quanto ao constante déficit dos Regimes Previdenciários, o próprio Tribunal constatou recentemente a situação alarmante verificada, conforme já se demonstrou anteriormente.

Além disso, outras irregularidades têm sido identificadas, tais como a dilapidação do patrimônio público, endividamento do município em desacordo com as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), falta de controle das despesas públicas, diminuição ou ausência de serviços públicos essenciais (saúde/coleta de lixo), o que demonstra o total desequilíbrio das contas públicas municipais e impõe a urgente intervenção deste TCE/PB a fim de resguardar o pagamento dos salários dos servidores municipais e, de modo geral, de prioridades constitucionais.

Por sua vez, o perigo na demora vislumbra-se no fato de que, com a antecipação do repasse da repatriação, as verbas podem ser utilizadas de maneira inadequada, de forma que a situação será irreversível após a utilização dos recursos.

Isto porque, com a antecipação dos recursos da repatriação para o dia 30 de dezembro de 2016, os atuais gestores poderão utilizar tais verbas para quitar compromissos firmados com fornecedores em detrimento do pagamento das verbas remuneratórias dos servidores públicos, que possuem natureza alimentar, o que enseja prioridade na sua quitação.

Ademais, os gestores que estão encerrando o mandato e não se reelegeram deixarão os encargos com o pagamento da remuneração dos servidores, de forma irresponsável, para a gestão sucessora. O mesmo pode ocorrer com as obrigações previdenciárias.

Neste cenário, diante do potencial risco de os servidores públicos dos municípios serem lesados com a ausência de pagamento de suas verbas remuneratórias e da proximidade da data de repasse dos recursos do programa de repatriação do Governo Federal, faz-se necessário que o TCE/PB, de forma urgente, DETERMINE que os Prefeitos dos Municípios do Estado da Paraíba priorizem a utilização dos citados recursos no pagamento dos salários dos servidores públicos municipais (vencidos, a folha salarial referente a dezembro e o 13º salário). Uma vez quitadas tais obrigações, deve-se DETERMINAR o direcionamento dos recursos para a quitação das obrigações previdenciáriaS.

IV – DOS PEDIDOS

Em face do exposto, requer este Ministério Público de Contas que:

A) seja a presente representação recebida, pois ajuizada por legítimo interessado;

B) esta Corte de Contas conceda a medida liminar, sem a prévia oitiva das partes, de modo a DETERMINAR a todos os Prefeitos dos Municípios do Estado que priorizem a utilização dos recursos oriundos do programa de repatriação do Governo Federal no pagamento das verbas remuneratórias dos servidores públicos municipais (os salários eventualmente vencidos, a folha salarial referente a dezembro e o 13º salário) e, uma vez quitadas tais obrigações, que os recursos sejam direcionados para o pagamento de obrigações previdenciárias;

C) esta Corte de Contas conceda a medida liminar, sem a prévia oitiva das partes, de modo a OFICIAR aos Bancos para que não permitam saques das contas dos municípios e nem realizem compensação bancária após o dia 31/12/2016 sem a confirmação do novo gestor municipal.

No mérito, após a instrução do presente feito, este Parquet de Contas requer ao Colendo Tribunal de Contas que, caso sejam aplicados os citados recursos de forma diversa da solicitada nesta exordial, seja aplicada a multa de que tratam os arts. 55 e 56 da Lei orgânica deste Tribunal, aos responsáveis, em razão da ocorrência de prejuízo ao erário e de grave infração à norma legal. Ademais, que sejam os fatos remetidos às Prestações de Contas dos gestores responsáveis.

Por fim, protesta-se pela produção de todas as provas em direito admitidas, nas fases próprias do processo.

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

João Pessoa, 28 de Dezembro de 2016.

 

 

Bradson Tiberio Luna Camelo

Procurador do Ministério Público de Contas – PB

Luciano Andrade Farias

Procurador do Ministério Público de Contas – PB

 

1  Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (…) II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos (…) aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

2 Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: I – pelos poderes estaduais ou municipais;

3 Art. 78. (…) I – I – promover a defesa da ordem jurídica, requerendo, perante o Tribunal de Contas do Estado, as medidas de interesse da Justiça, da Administração e do Erário;

4http://portal.tce.pb.gov.br/2016/12/tce-constata-que-maioria-dos-institutos-de-previdencia-e-deficitaria-e-cobra-plano-de-acao-dos-gestores/

5 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(…)

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

6 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

7 CF: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

8 § 3º As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.

9 http://www.jornaldaparaiba.com.br/politica/noticia/176728_por-salario-atrasado–sindicato-vai-a-justica-contra-prefeituras-no-sertao

http://www.jornaldaparaiba.com.br/politica/noticia/176558_sintab-denuncia-atraso-no-pagamento-de-salarios-em-seis-prefeituras

http://portalcorreio.com.br/politica/politica/mais-politica/2016/10/21/NWS,286293,7,416,POLITICA,2193-ACAO-QUER-OBRIGAR-PREFEITURA-PAGAR-SALARIOS-ATRASADOS-SERVIDORES.aspx